quinta-feira, 8 de maio de 2014

Geração on-line



Final dos anos 1950. Interior de São Paulo. Início da noite, logo após o jantar, cadeiras na calçada. Filhos, pais, tios e avós.  O cotidiano era comentado. Notícias do rádio também.

O pequeno avião que se acidentou ao bater em fios de eletricidade pouco antes do pouso vitimou um casal de passageiros e o piloto. O marido era o dentista da cidade.

As notícias chegavam lentamente. E assim, noite após noite, os detalhes eram esmiuçados até que um fato novo acontecesse. A memória era construída aos poucos, capítulo a capítulo, tal qual uma novela. Passados alguns dias, era possível saber em detalhes as roupas que as vítimas usavam.

Não à toa dizemos que os antigos tinham uma memória privilegiada.

E na roda das cadeiras, alguém sempre dizia que o mundo estava mudando. É, no meu tempo não era assim, retrucava outro. E eu, atento, me punha a imaginar como seria o mundo tempos depois.

Vida que segue. A música mudou. Os cabeludos chegaram e com eles aflorou o preconceito dos mais velhos. Aonde é que vamos parar, diziam. Pais proibiam seus filhos de ver a Jovem Guarda aos domingos na TV. E as mudanças acontecendo.

O homem pousou na lua. A TV, que até então viera para acabar com o rádio, ficou colorida. Ambos perderam as válvulas. A telinha mágica passou a receber imagens via satélite.  E o mundo não parava de mudar..

As mulheres deixaram o banco do passageiro e começaram a dividir a direção dos carros com os homens. O biquíni, a minissaia. A queima dos sutiãs. E os mais velhos compreendendo cada vez menos.

Veio o videogame e as crianças deixaram a liberdade das ruas e se enclausuraram em seus quartos.

Quase três décadas depois, já na era dos computadores pessoais, surge a telefonia móvel e a Internet. Parceiras, uma empurra a outra. E eu aqui imaginando qual seria a reação dos meus avós.

Hoje, uma nova geração. Aliás, de novo, e sempre. Agora é a turma do dedinho, do toque na tela. A galera on-line, das redes sociais, do whatsapp. Do selfie e do check-in. Do armazenamento nas nuvens. E nas nuvens parecemos viver, mesmo quando postos à mesa de jantar. Mesmo quando em um encontro de amigos. Em casa, no bar, no trabalho, na escola, ou diante da TV. E depois do sexo também.

Como sou da geração das cadeiras nas calçadas eu poderia até dizer que no meu tempo era melhor. Mas isso não mudaria nada. Como não mudou para mim quando ouvi o mesmo dos meus antepassados.

De concreto, temo que não saibamos fazer uso de maneira adequada dessas maravilhosas ferramentas que nos permitem maior interação com as pessoas - ainda que virtual - dentro de um processo de comunicação eficaz e instantâneo.

E o risco é grande. Risco de nos confinarmos à solidão de casa ou de uma tela e nos habituarmos com a ausência física do outro, com a falta do abraço, do beijo e do cafuné. Toque, só se for “touchscreen”. Sem falar do sorriso que, aos poucos e cada vez mais, estamos nos contentando com um “kkkkkk” ou “rsrsrs”.

Por fim, e mais grave, tendemos à ilusão de que o mundo virtual é a fiel representação da realidade. Absorvidos pelas redes sociais onde as pessoas, encorajadas por um aparente anonimato, pregam o ódio e revelam preconceitos, vamos nos convencendo de que lá fora, nas cidades, nas ruas, o comportamento humano tenha de fato se degradado.

Felizmente, há vida lá fora. E ainda que você duvide, ela é diferente!

Se compartilhar é a palavra da moda, que tal fazê-lo on-line e on-time, mas dividindo entre a vida virtual e a vida real?
E o mundo, acredite, não deixará de mudar.

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